ARTIGOS

 

Chaïm Perelman e o combate à retórica da eficácia dos sofistas*

 

Chaïm Perelman y efectividad en el combate de la retórica de los sofistas

 

 

Jackelline Fraga Pessanha**

 

** Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV. Graduada pela Faculdade de Direito de Vila Velha. Professora Universitária da Faculdade São Geraldo/ES. Assessora do Ministério Público do Estado do Espírito Santo. jackellinepessanha@yahoo.com.br

 

Recibido: Noviembre 15 de 2013

Aceptado: Marzo 4 de 2014

 


RESUMO

A proposta do presente artigo é apresentar a Teoria da Argumentação segundo Chaïm Perelman, demonstrando o contexto histórico de quando foi criada, bem como a sua aplicação na atualidade, pois é por meio da argumentação que o aplicador do direito se comunica, sendo a retórica uma das principais fontes da teoria da argumentação procurando a solução de litígios.

PALAVRAS CHAVE:Teoria da Argumentação; Aristóteles; Chaïm Perelman; Persuasão.


RESUMEN

El propósito del presente artículo es presentar la Teoría de la Argumentación según Chaïm Perelman, demostrando el contexto histórico de cuando fue creada, así como su aplicación en la actualidad, porque es a través del argumento de que la aplicación de la ley se comunica, siendo la retórica una de las fuentes principales de la Teoría de la Argumentación para buscar resolver las disputas legales.

PALABRAS CLAVE: Teoría de la Argumentación; Aristóteles; Chaïm Perelman; Tersuasión.


 

 

Introdução

O presente artigo pretende estudar a teoria da argumentação segundo Chaïm Perelman, buscando responder a seguinte pergunta: como se fundamenta e se sustenta a teoria da argumentação de Chaïm Perelman?

Por isso, almeja responder a questão proposta, bem como analisar quem foi Chaïn Perelman, seu contexto histórico e os fatores que o conduziram à teoria da argumentação; do que se trata a tal teoria que o mesmo propôs; e qual a sua importância para a argumentação utilizada na atualidade.

A forma descritivo-explicativa será a base da pesquisa, já que demonstrará por meio de bibliografia, de doutrinas e artigos publicados para entender sobre o assunto proposto.

 

1. Fatores históricos

Chaïm Perelman (1912 – 1984), foi um filósofo do Direito, que nasceu na Polônia, mas viveu na Bélgica, onde se dedicou ao direito e à filosofia. Estudou na Universidade de Bruxelas, local em que posteriormente passou a lecionar. No que tange a sua produção literária, pode-se destacar os seguintes textos: ''Sobre a Justiça''; ''Retórica e filosofia: por uma teoria da argumentação na filosofia''; ''Tratado da argumentação jurídica: a nova retórica''; ''O campo da argumentação''; ''Lógica jurídica: nova retórica''; ''Retóricas''; e ''Ética e Direito'', dentre as obras citadas, a mais importante de suas obras foi o ''Tratado da argumentação: a nova retórica'' (Ruzo, 2010).

Por isso, a teoria da argumentação proporcionada para ser um elo de ligação entre a lógica e as ciências humanas, acaba oferecendo à filosofia prática um método para o tratamento do real, do mundo dos valores.

Mas antes de tratar da teoria da argumentação propriamente dita, importante destacar que Sócrates, com os sofistas, analisaram a retórica na Grécia antiga e consistia em relatos de comportamentos positivos e negativos para a formação de uma argumentação convincente. Neste sentido, João Maurício Adeodato, ensina que:

O historicismo da retórica é sisífico, procura ir contra essas perspectivas etiológicas e escatológicas. A história não deve ser pensada em termos causais nem caminha para algum ponto previamente determinável, extremamente por que os consensos temporários de sentidos são circunstâncias e infinitamente variáveis, por vezes, contraditórios. Assim como Sísifo não sabe até onde, montanha acima, conseguirá transportar a pedra, a humanidade não sabe aonde vai chegar. E cada tempo histórico é construído a cada momento.
É a visão historicista que permite compreender o desprestígio a que uma visão improcedentemente parcial – metonímica – levou a retórica. Pensando na perspectiva tripartida tomada aqui, as filosofias tradicionais identificam a retórica exclusivamente com seu viés estratégico, deixando de lado o aspecto material da retórica como única realidade possível e assumindo que toda retórica busca convencer e influir sobre a conduta alheia (Adeodato, 2009A, p. 26).

E acrescenta

Dentre as formas antigas de ceticismo, o pirronismo (a partir do nome de seu fundador, Pírron de Elis) é aquela que chegou até o presente de forma mais completa, talvez até por mero acaso, didaticamente exposta na obra de Sexto Empírico. Ao mesmo tempo, o pirronismo é uma importante expressão da cultura greco-romana, sendo essencial para entender o contexto filosófico em que surgiu e triunfou o cristianismo. Com suas críticas contundentes à verdade filosófica, colocando dúvidas sobre os principais postulados das diversas correntes, o ceticismo enfraqueceu as ''verdades'' da filosofia edificante e racionalista dominante e preparou o terreno para a nova forma cristã de pensamento – que por seu turno também nada tinha a ver com ele –, mais embasada na fé, na crença, na vontade, mais descrente da razão demonstrativa. Mas há também as formas mais recentes de ceticismo como a ''moralística'' de Montaigne e Charron, o ceticismo iluminista de Bayle e Hume, o ceticismo antropológico de Helmut Plessner, o ceticismo historicista de Burckhardt ou o anti-historicista de Löwith, o que permite afirmar ser o ceticismo uma tradição antiga e facilmente identificável na filosofia ocidental (Adeodato, 2009A, p. 26).

Assim, com a perspectiva retórica de Sócrates que fez uma reviravolta no humanismo, não se pode ancorar em certezas subjetivas, pois é por meio da linguagem, uma vez que ninguém vive isolado do mundo, que implica a pluralidade e relativização da comunicação e das concepções de verdade.

A busca de técnicas argumentativas traz o desenvolvimento de estruturas para os argumentos que se denomina dialética, e é através desta que a retórica se assemelha aos argumentos sofísticos, pois

...a retórica não se ocupa apenas do que é persuasivo, mas também do que parece sê-lo.
Em uma definição nada tautológica, o silogismo em geral é apresentado como uma argumentação na qual, se certos enunciados são pressupostos, algo diferente desses pressupostos surge necessariamente deles. Os silogismos são classificados em apodíticos, dialéticos, erísticos, e o entimema é chamado silogismo retórico (Adeodato, 2009B, p. 333).

A teoria da argumentação de Perelman trás um traço marcante da retórica aristotélica, isso porque, sob a análise de Aristóteles o argumento está intimamente ligado com os lugares que constitui o objeto de investigação, que o mesmo denomina de tópicos, de maneira direta, e retórica, de maneira colateral. Dessa maneira, Marilena Chauí, descreve que

A arte retórica, portanto, não é a ação de persuadir, mas de conhecer ou reconhecer os meios adequados para persuadir e distingui-los dos quais são apenas aparentemente persuasivos. Embora não pertença a um gênero definido, a retórica é útil porque, sublinha muitas vezes Aristóteles, ela é indispensável à política ou aos discursos públicos proferidos em assembleia durante o processo deliberativo. Por causa dessa importância cívica Aristóteles critica duplamente seus predecessores: uns, por terem identificado a arte com a própria atividade persuasiva; outros, por terem reduzido os procedimentos retóricos aos litígios judiciários (ou aos discursos nos tribunais), deixando de lado seu aspecto eminentemente político (Chauí, 2002, p. 480).

Assim, a retórica de Aristóteles dispõe na distinção entre os meios de persuasão, pois a retórica não pode ser somente utilizada em discursos nos tribunais, mas sim manter o seu caráter político e os meios propriamente retóricos.

Outro ponto de grande importância para Aristóteles era a distinção e a definição dos meios retóricos, devendo ancorar-se na oratória, ou seja, procurar persuadir através da opinião favorável que o ouvinte tem sobre aquele determinado assunto, como forma que o assunto foi tratado. Neste sentido, Adeodato descreve que

Apesar de constituir o núcleo central da persuasão, o entimema não é a única via. A retórica não se ocupa apenas do entimema, o qual refere-se à parte técnica e emocionalmente mais neutra da argumentação. A retórica ainda ocupa-se da credibilidade do orador e da relação de afeto entre orador e ouvinte, as outras duas vias mais importantes da persuasão, separadas da perspectiva lógica e silogística da teoria do entimema. Os estimemas são silogismos retóricos por serem formal ou logicamente imperfeitos, suas conclusões não decorrem necessariamente de suas premissas, ao contrário dos silogismos apodíticos; mas são paradigmaticamente úteis se o objetivo é persuadir sem as exigências de rígida coerência lógica, quando esta não é possível ou mesmo estrategicamente desejável. A principal tarefa da retórica é investigá-los. Assim, muitas das questões éticas e políticas fazem parte da retórica (Adeodato, 2009B, p. 333).

Ademais, deve basear nas paixões dos ouvintes que operam a oratória para que sirva de persuasão, sendo também fortalecido pelo argumento empregado, pois se busca demonstrar um silogismo logo do qual são formuladas premissas e conclusões que confirmam o pensamento do orador.

Além do mais, precisa descrever e definir os gêneros o discurso, isto é, o deliberalismo que cada orador do discurso tem para persuadir o seu ouvinte, para fazê-lo acreditar em suas palavras, descrevendo se aquele determinada conduta pode lhe ser prejudicial ou útil, persuadindo o ouvinte a escolher determinada conduta.

Isso é facilmente verificado no Poder Judiciário, pois o ouvinte é o Magistrado, que terá a função de julgar determinada lide entre duas partes, ocorre que cada parte terá em determinado tempo a palavra, com a finalidade de persuadir o Juiz de que merece ser o vencedor ou o perdedor da causa, devendo o orador demonstrar ao ouvinte que os fatos foram justos ou injustos.

Outra teoria desenvolvida por Aristóteles é a da dialética e a analítica, como duas formas de se pensar, pois o raciocínio analítico está intimamente relacionado à ideia de demonstração, ou seja, relatando as premissas para se chegar a uma conclusão final. Enquanto o raciocínio dialético age de forma presumível, ou seja, encontra-se diretamente ligado à ideia de explicação e justificação de uma determinada tese, colocando em conflito as premissas não para busca o resultado correto, mas sim a melhor solução para o caso concreto.

Em seguida, Aristóteles desenvolveu sua teoria sobre a ética e a retórica, que influencia a teoria da argumentação proposta por Perelman. Aristóteles ensina que o mestre deve começar a persuadir as pessoas a sua volta para conseguir formar os hábitos vitoriosos, e para isso a retórica e a ética se mostram indispensáveis e inseparáveis. Dessa maneira, Aristóteles [apud Marilena Chauí] descreve que

A finalidade deste tratado é encontrar um método que nos garanta argumentar sobre todo e qualquer problema colocado e evitar, quando sustentamos um agrupamento, que digamos algo que lhe seja contrário [...]. Possuiremos perfeitamente nosso método quando formos capazes, como o somos na retórica e na medicina, de realizar, com as possibilidades de que dispomos, o fim proposto (Chauí, 2002, p. 482).

Portanto, Perelman desenvolveu sua pesquisa ancorado nos textos de Aristóteles, que se utiliza da retórica e dos tópicos, uma vez que a retórica convence o ouvinte por meio do discurso, persuadindo o mesmo sobre o assunto exposto, por isso a teoria da argumentação se mostra tão importante para a prolatação de um discurso correto, demonstrando a sua importância.

 

2. O desenvolvimento da teoria da argumentação

A teoria da argumentação de Perelman foi lançada em 1958, em meio às indagações filosóficas, daquela época, onde se pretendia uma reformulação dos estudos sobre uma teoria da argumentação, passando a inserir no pensamento contemporâneo a retórica e lógica.

Como se sabe, Perelman não foi o único pensador que estudou a teoria da argumentação, pode-se citar outros, como Theodor Viehweg, Stephen Toulmin, Manuel Atienza, Aulis Aarnio, Robert Alexy, entre outros que desenvolveram a teoria estudada (Ruzon, 2010).

Por isso, a teoria da argumentação formulada por Perelman pretende ser ancorada na nova retórica, mas não com um ambiente político autoritário, uma vez que a argumentação exige o debate de ideias, o diálogo e a controvérsia, sendo tais requisitos essenciais de um Estado Democrático e de uma sociedade pluralista. Neste contexto, Cláudia Servilha Monteiro, ensina que

Perelman entende a Teoria da Argumentação como uma técnica capaz de substituir a violência. O que esta última pretende obter pela coerção, a argumentação pretende fazê-lo pela adesão. Por isso, o recurso à argumentação requer que o estabelecimento de uma comunidade de espíritos que, pelo mecanismo interno de sua própria constituição, exclua a violência. Isso porque, em uma comunidade baseada em princípios igualitários, as próprias instituições regulam as discussões. Por tudo isso, o modelo de racionalidade prática construído por Perelman tem na argumentação um papel importante na organização racional das relações humanas (Monteiro, 2003, p. 16).

Dessa maneira, verifica-se que Perelman é um filósofo comprometido com a realidade da sociedade, pois para que a retórica possa efetivamente ser aplicada nos discursos é preciso estar alicerçados em valores democráticos.

Para Perelman a argumentação é o meio de promover a adesão ao seu pensamento, sem que haja a coação, pois é através do pensamento que o discurso alcança a adesão do ouvinte, com as suas convicções, por isso o discurso é de grande importância para a teoria da argumentação, pois é o que interage o orador e o ouvinte, sendo emissor e destinatário do discurso.

Em seu livro, o Tratado da Argumentação: a nova retórica, Perelman dividiu o seu estuda da argumentação em três grandes partes: a primeira trata dos pressupostos da argumentação; a segunda dos pontos de partida da argumentação; e a última das técnicas argumentativas.

Ato contínuo, neste momento é imprescindível demonstrar as categorias da fundamentação da nova retórica de Perelman, descrevendo a argumentação; o contrato dos espíritos; o orador e seu auditório; persuadir e convencer; os efeitos da argumentação; o acordo; e as técnicas argumentativas, que demonstram de maneira sintetizada a obra que se pretender estudar.

A argumentação é construída através da atividade relacionada a demonstração, isso porque, a prática de atividades humanas, na medida em que se utiliza os raciocínios para provar que aquela argumentação procede, tendo a tese a necessidade de concordância do ouvinte.

Para Perelman a argumentação está intimamente ligada a demonstração, pois uma é o oposto da outra, uma vez que, analisando por meio da lógica moderna, a demonstração ''é uma operação que permite deduzir uma tese da outra, desde que situem dentro do mesmo sistema, e suas regras internas sejam obedecidas'' (Monteiro, 2003, p. 56), ao passo que a argumentação ''não se utiliza axiomas, a partir dos quais são deduzidas as conseqüências, mas de teses com as quais um orador pretende obter a adesão de um interlocutor'' (Monteiro, p. 56).

Assim, a argumentação e a demonstração encontram-se destaques que as distinguem, ou seja, a demonstração é ancorada no uso de linguagem específica, desacompanhadas de ambiguidades, enquanto a argumentação decorre do espírito do orador, que pretende persuadir o ouvinte de suas alegações.

Dessa maneira, argumentar é o ato de influenciar os ouvintes pelo seu discurso proferido, pois há a necessidade de envolvimento com seus espíritos, estabelecendo um contato intelectual com os mesmos, o que pressupõe uma relação entre sujeitos.

No que tange ao segundo ponto da teoria da argumentação, qual seja, o contato dos espíritos, podemos destacar que o alvo da argumentação é a obtenção da adesão dos ouvintes, podendo ser alcançada através da interação entre os indivíduos, ou seja, ouvinte e orador.

Por isso, para que haja a interação entre os indivíduos, necessária se faz a ação argumentativa, que pode ser dividida em dois níveis. O primeiro versa sobre a linguagem comum, isto é, a comunidade em que se fará o discurso deve conhecer a linguagem falada por quem profere o discurso, pois as ideias vinculadas pela argumentação devem ser expressadas em linguagem natural, conhecida pelos espíritos, tendo Perelman afirmado que

...para argumentar, é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo consentimento, pela participação mental. Portanto, às vezes é uma distinção apreciada ser uma pessoa com quem outros discutem. O racionalismo e humanismo dos últimos séculos fazendo parecer estranha a ideia de que seja uma qualidade ser alguém com cuja opinião outros se preocupam, mas, em muitas sociedades, não se dirige a palavra a qualquer um. Cumpre observar, aliás, que querer convencer alguém implica sempre certa modéstia da parte de quem argumenta, o que ele diz não constitui uma ''palavra do Evangelho'', ele Mao dispõe dessa autoridade que faz com que o que diz seja indiscutível e obtém imediatamente a convicção. Ele admite que deve persuadir, pensar nos argumentos que podem influenciar seu interlocutor, preocupar-se com ele, interessar-se por seu estado de espírito (Perelman, 2005, p. 18).

Assim, o contato com os espíritos do ouvinte faz o elo que liga o orador e seu auditório, o que gerará o desenvolvimento pretendido, pois a partir o momento que a nova retórica passa a ser elemento considerável para a intersubjetividade, coloca-se em privilégio as várias implicações do contexto, como cultura, política, sociologia, entre outros.

O segundo nível do contato com os espíritos estabelece que a comunidade em que será proferido o discurso deve ser igualitária, ou pelos menos mais ou menos igualitária, eis que, conforme dito anteriormente, a liberdade do indivíduo é de suma importância para que o mesmo possa se manifestar, pois a comunidade sendo democrática, o ouvinte poderá proferir sua opinião, bem como o orador obter a adesão dos seus ouvintes às suas teses despertando a convicção dos mesmos.

O auditório é de grande importância ao orador, isso porque ''o conceito básico da teoria de Perelman é o auditório. Este é o conjunto daqueles sobre os quais o orador quer influir por meio de sua argumentação'' (Alexy, 2005, p. 165).

Dessa maneira, pode-se perceber melhor a argumentação de um especialista em determinado assunto quando o mesmo se dirige verbalmente ao seu auditório, melhor do que editar e escrever um livro, no qual o seu argumento se perderá do contato com o seu auditório.

Isso porque, a qualidade do orador será verificada quando o mesmo conseguir tomar a palavra e persuadir o seu auditório da sua tese, devendo o orador influenciar o seu auditório.

Ademais, a argumentação pressupõe a existência de indivíduos, sendo a ligação entre orador e seu auditório, no qual este adota determinadas argumentações daquele que profere seu discurso.

Perelman analisa três tipos de oratória, ancorado na retórica de Aristóteles, quais sejam, o deliberativo; o judiciário e o epidítico. O gênero deliberativo é inspirado nos debates políticos e plenário nas casas legislativas e executivas. O segundo tipo é guiado pelos debates que ocorrem em todos os tribunais, uma vez que por meio do debate, as partes manifestarão o seu posicionamento e o Magistrado decidirá o que é mais justo. O último, que é o epidítico, estabelece a distinção entre educação e propaganda, pois o propagandista deve conciliar os seus dizeres com o seu público, enquanto o educador é o porta voz dos valores reconhecidos naquela sociedade (Monteiro, 2003).

Além do mais, o auditório que deve construir o orador, eis que cada sociedade detém a sua origem sociológica e psicológica, que delimitará a construção do discurso do orador, pois o mesmo deve-se utilizar de argumentos múltiplos e variados para persuadir aquele auditório.

Outro ponto de relevância é a adaptação do orador ao seu auditório, tendo em vista que se trata de pessoas diferentes, que tem pensamentos distintos, e por isso se mostra um auditório homogêneo.

Dessa forma, o orador deve adaptar-se ao meio, Perelman propõe superar essa dificuldade por meio de técnicas argumentativas, ou seja, o modo em que o pensamento será desenvolvido e, assim, persuadir o seu auditório da tese proposta.

Tais técnicas argumentativas podem ser utilizadas em qualquer auditório, desde que seja composto por indivíduos racionais, que possam aceitar a tese que está sendo proposta pelo orador.

Portanto, na concepção perelmaniana, o auditório é universal, haja vista os argumentos expostos neste auditório são de maior relevância do que aqueles discursos proferidos para auditórios particulares. Neste sentido, Alexy versa que

O conceito de auditório contém, porém, também a chave para uma teoria normativa da argumentação: O valor de um argumento, segundo Perelman, determina-se de acordo com o valor do auditório a que persuade. No centro da teoria perelmaniana, enquanto teoria normativa da argumentação, encontra-se por isso a caracterização de um auditório, a que só pode se persuadir mediante argumentos racionais. Para Perelman, este é o auditório universal. A adesão do auditório universal é um critério para a racionalidade e objetividade da argumentação. [...]
Quem se dirige ao auditório universal geralmente não pretende seque que todos os seres que o formam tomem conhecimento de seus argumentos e, muito menos, pode esperar que todos concordem com ele faticamente. Considera-se, porém, que todos, se tivesses conhecimento de seus argumentos e os compreendessem, concordariam também com sua tese (Alexy, 2005, p. 168).

Isso porque, a forma com que se dirige ao auditório universal, uma vez que se aplica os argumentos que deverão sustentar uma ideia, da qual se pretende inculcar naqueles ouvintes, pois o objetivo é chegar ao máximo de adesão dos ouvintes e, ao final, constituir um acordo do auditório universal.

Para Perelman a teoria da argumentação deve persuadir o seu ouvinte e o convencer da tese que foi proposta, isto é, o marco do orador que pretende, através de seu discurso, incutir o resultado do mesmo, já que o discurso convincente é aquele que gera a adesão dos ouvintes para a sua argumentação.

Para persuadir e convencer se faz necessário que o argumento seja eficaz e válido, pois deverão ser aceitos e inculcados em cada indivíduo, gerando um acordo do auditório universal para serem válidos, entrementes se forem somente aceitos por um auditório particular serão somente eficazes (Alexy, 2005). Neste contexto, Perelman escreve que ''Para que se preocupa com o resultado, persuadir é mais do que convencer, pois a convicção não passa da primeira fase que leva à ação. [...] Em contrapartida, para quem está preocupado com o caráter racional da adesão, convencer é mais do que persuadir'' (Perelman, 2005, p. 30).

Assim, Perelman propõe que a persuasão seja uma argumentação que se pretende convencer através de um auditório particular, enquanto chama-se de convincente aquele argumento que deveria obter a adesão de todo o ser racional.

É, portanto, a natureza do auditório que ditará quais são os argumentos que poderão ser submetidos ao sucesso que determina o alcance que lhes serão atribuídos, ou seja, é através do auditório que se poderá determinar se aquele fundamento foi convincente ou persuasivo.

Para Perelman o objetivo de toda argumentação é provocar ou aumentar a adesão dos ouvintes à tese defendida, utilizando da argumentação eficaz, na qual consegue aumentar a intensidade de adesão, como forma de desencadeamento de ideias nos ouvintes no mesmo sentido daquela proferida pelo orador. Dessa feita, os efeitos da argumentação se mostram de grande valia ao discurso, pois o processo argumentativo considera-se aquele em que a prova da verdade ou a probabilidade de que sua tese é verdadeira e deve ser administrada no campo formal ou científica, em comum acordo com os interlocutores da tese.

Assim sendo, para que haja a efetividade do discurso proferido, se faz necessária a adaptação do orador ao auditório, ou seja, o raciocínio proferido deve estar em contato com os pontos de partida e as teses defendidas pelo auditório, pois a argumentação visa a transferência dos fundamentos e argumentos do orador ao auditório, para que ao final todos cheguem à mesma conclusão.

O acordo pode ser apreciado em três ordens, que Perelman distingue como: as premissas; os valores; as hierarquias; e os lugares, sendo os objetivos do acordo dividido em duas vertentes, quais sejam, a primeira relaciona-se ao real, que engloba os fatos, verdades e premissas; e a segunda colaciona-se ao preferível, incluindo os valores, hierarquias e os lugares do preferível.

O acordo com o auditório deve ser ancorado em premissas explícitas, de forma a servir como ligação entre o orador e o ouvinte. O orador utilizando-se das premissas, que servirão de base para a construção do argumento, para após ser proferido ocorrer a adesão pelos ouvintes do auditório.

Cada sociedade tem em seus discursos arraigados nos seus valores, que possibilitarão um acordo entre os que pretendem aderir ao argumento inculcado em seu cotidiano, uma vez que os valores sempre interferirão na argumentação, que segundo Perelman ''recorre-se a eles para motivar o ouvinte a fazer certas escolhas em vez de outras e, sobretudo, para justificar estas, de modo que se tornem aceitáveis e aprovadas por outrem'' (Perelman, 2005, p. 84).

Dessa maneira, alicerçado em Perelman, a argumentação não é só fundamentada em valores, é preciso também obedecer as hierarquias, que são as superioridades dos homens sobre os animais, e a dos Deuses sobre os homens, que são consideradas hierarquias concretas. Entretanto, também convém falar das hierarquias abstratas, que trata da superioridade do justo sobre o útil. Quanto aos lugares, Cláudia Servilha Monteiro descreve que

Perelman classifica metodologicamente os lugares comuns em três grupos: 1) os lugares da quantidade sai utilizados quando se afirmam a superioridade de um elemento sobre o outro, com base em números; e ele exemplifica que a noção de democracia leva em consideração este tipo de argumento, o argumento da maioria; 2) os lugares da qualidade aparecem quando, por exemplo, o motivo oferecido para preferir algo advém de sua raridade, de seu caráter insubstituível, favorecendo o que é excepcional; 3) os outros lugares: 3.1) são aqueles lugares de ordem, como, por exemplo, a supremacia da anterior sobre a posterior; 3.2) os lugares do existente, que beneficiam os raciocínios baseados sobre elementos já existentes na realidade fática em detrimento do que é eventual ou mesmo impossível; 3.3) os lugares da essência, que apontam a superioridade de indivíduos que melhor representam a essência de determinado gênero e 3.4) os lugares da pessoa, que concedem prioridade ao que for relativo à dignidade e à autonomia da pessoa (Monteiro, 2005, p. 69).

Por fim, falta descrever as técnicas argumentativas, que podem ser divididas em três grandes grupos: argumentos quase-lógicos; argumentos baseados na estruturado real; e argumentos que fundam a estrutura do real.

O primeiro grande grupo, que versa sobre os argumentos quase-lógicos, trata do raciocínio não-formal, pois resulta do esforço mental, que pretende sua eficácia persuasiva aos princípios construídos para persuadir os ouvintes, desmembra-se em: contradição e incompatibilidade; identidade e definição; reciprocidade; transitividade; inclusão e divisão; e comparação.

A contradição e incompatibilidade funcionam de maneira alicerçada ao princípio da não-contradição, ou seja, tem-se o argumento da incompatibilidade que estabelece a opção entre dois argumentos que são apresentados ao interlocutor (Cunha, 2010).

No discurso argumentativo, o princípio da identidade corresponde a definição que se estabelece a identidade do que se define, isto é, o argumento detém múltiplas definições, que possibilitam a escolha do ouvinte da qual melhor lhe couber, surgindo o debate como mediador de diferentes definições, em que o caráter argumentativo se torna mais nítido.

A reciprocidade demonstra o estabelecimento de relação entre duas situações importantes para o argumento, que a priori são simétricas, onde se deve rejeitar um dos dois fundamentos, para provar que as duas situações não são simétricas, buscando o mesmo tratamento para suas situações correspondentes.

Para Perelman, ''a transitividade de uma relação permite demonstrações em forma, mas quando a transitividade é contestável, ou quando a sua afirmação exige adaptações, precisões, o argumento de transitividade fica com estrutura quase-lógica'' (Perelman, 2005, p. 257).

A relação entre o todo e as partes do argumento, que se dividem em inclusão das partes no todo e a divisão do todo em partes, isso porque, de acordo com Tito Cardoso e Cunha ''...frequentemente, quando se quer argumentar a favor do centralismo e contra a regionalização acentua-se a inclusão das diversas regiões no todo nacional. Pelo contrário, quando aquilo que se quer defender é regionalização, faz-se notar que o todo nacional se divide em partes com a sua identidade própria e as suas diferenças relativamente ao todo'' (Cunha, 2010, p. 15).

Finalmente, quanto aos argumentos quase-lógicos, temos a comparação, que contrapõe as diferentes realidades, para avaliá-las umas com as outras, obtendo a valorização do elemento mais fraco da comparação.

Em seguida, tem-se os argumentos baseados na estrutura do real, que tratam de utilizar a estrutura do real para estabelecer ligações entre as opiniões, que se formulam acerca da realidade, descritas pelo interlocutor, podendo ser dividida em: a relação de sucessão e a relação de coexistência.

A primeira estabelece que a ligação entre os acontecimentos, tanto em suas causas, como com suas consequências, pois de acordo com Perelman determinado acontecimento procura encontrar uma ou mais causas antecedentes para que possa determinar a conclusão pertinente, bem como um mesmo fundamento pode ser utilizado para defender outro argumento de que resultam, dentro de um limite temporal.

A segunda, que demonstra a relação de coexistência entre os indivíduos, pretendendo asseverar a essência e suas manifestações. Assim, ''se argumenta que os actos praticados coexistem com a pessoa que os pratica'' (Cunha, 2010, p. 16).

Por último, das técnicas argumentativas, tem-se os argumentos que fundam a estrutura do real, ou seja, um determinado caso particular será utilizado, generalizando-o, com a finalidade de estabelecer uma estrutura do real socialmente construído, utilizando-se, assim, da argumentação através de exemplos.

Portanto, à guisa de distinguir as várias formas de que se fundam a estrutura do real, destaque-se o exemplo, como meio de generalização, ou seja, pretende-se a partir de um caso concreto a criação de uma regra.

Ademais, outra forma seria a utilização da ilustração, na qual pretende encontrar o argumento reforçando a adesão a uma regra já estabelecida. Outra maneira, é o uso do modelo, isto é, o comportamento de um homem empregado como parâmetro que se pretende imitar.

Por fim, o uso da analogia e da metáfora, que para Perelman, trata-se do meio de se chegar ao argumento, entendendo a analogia como o estabelecimento da semelhança entre dois argumentos, que se pretende analisar, fundamentando-se na metáfora a sua conclusão, pois ''este procedimento tem uma grande eficácia na argumentação uma vez que a analogia não é perceptível e aquilo que originalmente era uma metáfora parece agora ser natural'' (Cunha, 2010, p. 16).

 

3. Considerações finais

Finalizando o estudo, pretendeu-se demonstrar a teoria da argumentação de Chaïm Perelman, com suas características e a importância da argumentação para que haja a persuasão do ouvinte e passe a aderir ao discurso proferido pelo orador.

Dessa maneira, Perelman, por meio da teoria da argumentação, o orador deve persuadir o seu ouvinte e o convencer da tese que foi proposta, através de seu discurso, incutir o resultado da sua tese, já que o discurso convincente é aquele que gera a adesão dos ouvintes através da argumentação proposta.

A argumentação é o meio de promover a adesão ao seu pensamento, sem que haja a coação, pois é através do pensamento que o discurso alcança a adesão do ouvinte, com as suas convicções, por isso o discurso é de grande importância para a teoria da argumentação, pois é o que interage o orador e o ouvinte, sendo emissor e destinatário do discurso.

Por isso, verifica-se que a prática do direito consiste em eterna argumentação, por isso a teoria da argumentação proposta por Perelman se mostra de suma importância ao direito, como meio de se defender e convencer o auditório de que a sua questão merece ser admirada e decidida com bons olhos.

Isso pode ser percebido, facilmente, como exemplo exposto pelo próprio Perelman, no Tratado da Argumentação, no Tribunal Popular do Júri, isto é, primeiramente a acusação tem a palavra e posteriormente a defesa, que pretendem a mesma finalidade, qual seja, de convencimento dos jurados de que o réu deve ser condenado ou absolvido, sendo tal fato corroborado pelo Magistrado.

Assim, a argumentação é imprescindível ao direito, uma vez que procurar responder a questões a partir da prática argumentativa, como meio de persuadir o Magistrado, que detém a função de decidir, que analisar quais as alegações são mais relevantes naquele determinado caso.

Portanto, a argumentação se mostra de suma importância para o Direito, vez que para que seja proferida uma decisão, de acordo com a Constituição Federal, a mesma deve ser fundamentada. Sendo os elementos decisórios resultados de um processo de argumentação, que enfocam os elementos jurídicos de discussão e de fundamentação.

 


Notas:

* Este artigo é fruto de uma pesquisa independente desenvolvida pela autora, com o objetivo de desenvolver o debate acerca do tema. O desenvolvimento dessa pesquisa durou aproximadamente (6) seis meses, entre março e setembro de 2013.


 

Referências

Adeodato, J. M. (2003). Ceticismo, Direito e Tolerância. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 29/01/2011.

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